Evoé, Queridagem!!
Se tudo der certo e os Correios estiverem funcionando direitinho, você deve receber essas mal traçadas nas vésperas do Carnaval. Quer dizer, com festas rolando desde setembro passado, fica difícil dizer se o Carnaval tem mesmo esse negócio de “véspera”. É tempo de se soltar na festança, descansar o juízo e cansar o corpo, seja nas ladeiras de Olinda, seja nos tantos carnavais que o Recife tem para oferecer, do Marco Zero, aos polos descentralizados, à folia espontânea de praticamente todos os bairros da cidade.
No comecinho do mandato, apenas duas pessoas da nossa equipe já haviam trabalhado na política institucional. Uma delas, Germana Acioly, que hoje atua nas parceiríssimas Juntas Codeputadas, era nossa chefe de gabinete e responsável pela agenda. Pois Germana, preocupada com o bom andamento da nossa construção, queria saber qual era a pauta de Momo.
“E aí, Ivan? Como vamos fazer no Carnaval?”.
Competentíssima, ela queria saber se iríamos visitar algumas comunidades em que acompanhamos a execução de políticas ou apoiamos grupos e movimentos. Se eu iria dar pinta nos blocos tradicionais, fazer registros, enfim, botar a equipe pra trabalhar. Eu, folião desde o berço, não admitia (como não admito) outra hipótese: “Mana, Carnaval eu não brinco, eu levo a sério. Nos quatro dias de folia, quem quiser me encontrar que me encontre nos blocos do Recife e de Olinda”. Acho é Pouco, Amantes de Glória, Panela de Pressão, são troças que eu não perco de jeito maneira. Ainda nas prévias, procuro bater ponto todos os anos nos Coroas de Aço Inox, no Urso Traíra, no Tá Maluco, no Escuta Levino e até no Tamo Aqui pra Gazeá. Isso sem contar as tantas agremiações que acabo conhecendo (às vezes até sem querer) a cada Carnaval que brinco.
Claro que, até por gostar tanto do reinado momesco e da cultura como um todo, não são poucas as pautas do nosso mandato relacionadas à maior festa popular em linha reta da América Latina (se não do planeta, do universo e de tudo o que existe e não existe).
Mas começo contando um causo.
Em janeiro de 2017, minha companheira estava no Mercado da Madalena, que costumamos frequentar. Uma das permissionárias a abordou, perguntando se eu não podia conseguir uma orquestra para o bloco que todos os anos saía do equipamento. Em princípio, achei absurdo o pedido, visto que eu não saberia de onde tirar esse dinheiro. Mas foi por conta dele que eu acabei descobrindo que, no Recife, existe um dispositivo chamado “Lei Liberato”, por onde vereadores e vereadoras podem indicar uma cota de blocos para receberem apoio na forma de orquestras patrocinadas pela prefeitura (não pelos mandatos).
Como nosso princípio é usar todo recurso que pudermos acessar da melhor maneira possível, resolvemos indicar sempre blocos que sejam protagonizados por grupos de direitos humanos, que chamem a atenção para causas, pautas ou posicionamentos que achamos relevantes. Este ano foram doze: Eu Acho é Graça (das Graças, que este ano pautou o atraso nas obras do Parque Capibaribe), a Troça Carnavalesca Mista Siscando (do Serviço de Práticas Integrativas), o Bloco Che, o Bloco da Ursene, o Me Segura Senão eu Caio (das pessoas com deficiência), o Terra a Vista (que fala da luta pela reforma urbana), o Bloco Seu Deodato (que junta a comunidade do Alto do Pascoal), o Transfolia (do GTP+, que atua com pessoas que vivem com o HIV), o Sou Gorda mas eu pulo (do Espaço Mulher de Passarinho), o Bacalhau da Bel (que homenageia a primeira parteira da Ilha de Deus), o Ralado não Morreu e o Bloco do Sopão (que vão pautar a luta por um habitacional em Caranguejo Tabaiares).
Apoiar a folia do campo dos direitos humanos é legal. Mas o foco principal do nosso trampo aqui na Câmara é sobre as políticas públicas. É preciso dialogar sobre a festa que só esse ano vai custar (pelas previsões iniciais da Prefeitura) cerca de R$ 25 milhões. Afinal, são 24% de toda a grana prevista para a cultura (TODA) durante o ano inteiro, de acordo com a Lei Orçamentária Anual de 2020. A gente entende a importância do evento e defende que os investimentos precisam focar principalmente na infraestrutura para os blocos e troças, no fomento às agremiações (que deveria acontecer durante o ano inteiro) e na garantia do uso do espaço público por todas as pessoas.
Uma das primeiras blitzes que fizemos, por exemplo, foi à Escola Municipal de Frevo, equipamento único na cidade (talvez no país) a dar aulas do ritmo mais brasileiro de todos, gratuitamente. Com uma estrutura que ainda deixa muito a desejar, o prédio ganha vida pela garra de sua equipe e pela animação de alunos e alunas que lotam quase todas as turmas.
Também buscamos fortalecer o Coletivo do Frevo, um grupo da sociedade civil que reúne gente de todo lado na intenção de fortalecer este Patrimônio da Humanidade. Fizemos audiência pública (e cobrança) sobre cachês frequentemente atrasados e alertamos para a diferença no tratamento entre artistas locais e os chamados “nacionais”.
O Paço do Frevo, museu do ritmo e do passo, também foi alvo de fiscalização nossa. Quando passou um tempo praticamente fechado, no final de 2018, pela descontinuidade do contrato com o instituto que o gerencia, a gente ficou muito indignado. Em nossas redes e na tribuna da Câmara(embora os jornais não tenham dado nada), cobrávamos toda semana uma resolução do impasse que, mais tarde do que gostaríamos, acabou sendo resolvido.
Como eu já fazia antes de me tornar vereador, critico muito o uso privado de espaços públicos, em especial durante o desfile do Galo da Madrugada e no Carnaval do Marco Zero. Menos no Galo e mais no Recife Antigo, a coisa deu uma melhoradinha. Mas vê, por mais legal e popular e tradicional que seja o Galo, continuo achando que a cidade ganharia muito mais se, por exemplo, os espaços públicos cedidos gratuitamente ao bloco (que muitas vezes o repassa a produtoras, bares e restaurantes) pudessem ser licitados, ajudando no patrocínio público da folia inteira, privilegiando, por exemplo, agremiações menos abastadas ou mesmo a inclusão de mais pessoas na festa.
Essa coisa da inclusão é bem importante pro mandato da gente. Semana passada, demandado pelo Conselho Municipal das Pessoas com Deficiência, fui com Catarina de Angola, Beto Figueiroa e Michel Platini dar uma olhada no Camarote da Acessibilidade, montado pela Prefeitura para o desfile do Galo que estava apresentando problemas de… Acessibilidade. Listamos as melhorias que teriam que ser feitas e vamos cobrar para que tudo esteja nos trinques para as (apenas) 300 pessoas que se puderam se inscrever para usar o equipamento.
Cumprindo nossa função educativa, nos últimos dois anos a gente também se organizou pra, usando mídias sociais e alguns materiais impressos, orientar a moçada para curtir a folia da melhor maneira possível, aproveitando ao máximo, cuidando do seu corpo e também das outras pessoas. Esse ano, a campanha é #BrincaNaMoral. Dicas como beber água, usar protetor solar, ir de tênis, vestir fantasia leve, fomentar o respeito, proteger as orquestras, saber encaminhar casos de violência ou assédio já estão sendo veiculadas nas nossas mídias sociais e em cartazes espalhados por bares, restaurantes e organizações da sociedade civil. Você também pode dar sua dica, postando em qualquer rede e colocando a hashtag direitinho pra nossa turma poder encontrar e compartilhar.
Ah, e se me encontrar na folia, chegue pra me dar um abraço. Tem coisa mais linda do que abraço de Carnaval?
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