Recife, 25 de junho de 2020
Cartas à Queridagem
Alavantu, Queridagem!
Não sei vocês, mas eu nunca pensei que passaria um São João em Pernambuco sem fogos e sem quadrilha. Em casa, com a família, me abracei com um milho assado e me limitei a relembrar de tantas e tantas vezes em que celebrei essa festa que gosto tanto e que tanto me ensinou sobre a identidade camponesa nordestina. Saudade medonha de uma noite virada ao som da zabumba, acendendo vulcões e esperando a hora certa de pular a fogueira. Bomba eu não gosto não, visse?
Mas peço licença hoje pra continuar falando de eleição. Porque, mesmo sem podermos nos aglomerar como gostaríamos, as convenções partidárias deverão acontecer até a primeira quinzena de setembro. E é muito importante a gente dedicar um tempinho da vida da gente para poder compreender o que está acontecendo no Recife e como podemos intervir para que possamos arregaçar as mangas e participar da construção de uma cidade massa, rocheda, gerando e virada no mói de coentro.
Dou logo um spoiler: estou pré candidato a mais um mandato como vereador do Recife.
Não é só por bairrismo, mas é preciso separar a discussão sobre a nossa cidade da pauta nacional.
Sim, porque na tarefa de interromper o governo Bolsonaro, precisamos ter maturidade para formar alianças amplas, que incorporam inclusive sujeitos políticos mais alinhados às pautas conservadoras. Contra o atual presidente, não é esquerda x direita. É república x barbárie.
E quem tiver do lado da república está do meu lado.
Aqui é diferente. Estamos há 20 anos sendo governados por grandes coligações encabeçadas por partidos que, no discurso, se identificam com as pautas da esquerda. Mas que, na prática, têm (especialmente na segunda metade) se alinhado muito mais às pautas das elites que as do povo. Temos hoje uma gestão que optou por não universalizar a saúde básica, que deixou mais de mil crianças fora da escola por falta de vagas, que não tem política pública de prevenção à violência, que não se importa com a cultura, que gasta milhões com propaganda enquanto a comunicação pública apenas engatinha. Uma gestão que, apesar de ter dado uma resposta rápida à pandemia do Covid 19, hoje vem sendo investigada por contratações ‘esquisitas’ e, cedendo a pressões políticas e financeiras, vem afrouxando as medidas de quarentena e jogando loteria com as vidas das pessoas – em especial as que mais vulneráveis.
Todo esse cenário fez com que esta gestão – e seus partidos – se afastassem de suas bases mais populares. Sindicatos, movimentos sociais, coletivos e outras organizações da sociedade civil que posicionam-se no campo progressista, se em algum momento já se viram contempladas nas políticas do PSB, hoje já não têm esperanças de uma ‘guinada à esquerda’ do grupo liderado por Geraldo Júlio.
Por enquanto, o PSOL é o único partido que faz oposição à esquerda na Câmara Municipal. O uniquinho, e tem um uniquinho mandato: o nosso. E eu já vou te avisando que eu quero renová-lo e, para isso, serei candidato novamente. Mais uma vez. E vou trabalhar pra ter mais gente comigo. Estamos montando uma chapa massa. Também temos o que dizer para a cidade. Na próxima semana, estamos finalizando o “Recife Arretado”, iniciativa que há quase um ano ouve milhares de pessoas para formatar um sonho de cidade.
Nossa ideia é lançar um documento com 50 propostas para o Recife, que deverão balizar o programa de governo defendido nas eleições. Os companheiros Paulo Rubem Santiago e Severino Alves já levantaram o dedo para candidatarem-se à prefeitura e o diretório municipal combinou que também vai conversar com outros partidos que poderiam aproximar-se do nosso campo.
Faz sentido. Em partidos como o PT e o PDT, pra dar dois exemplos de legendas que compõem a prefeitura com cargos e secretarias, a demanda por um ‘racha’ é crescente e reflete-se no desejo de figuras como Marília Arraes e Túlio Gadelha estarem lutando internamente para encabeçarem candidaturas próprias, rachando a coligação que já está junta, no poder, há duas décadas. Conheço ambos. Na Câmara Federal, ela e ele têm votado correto e se posicionado contra Bolsonaro e suas reformas medievais. Ambos trouxeram para seus partidos pessoas bacanas, muitas estreantes na política, que também conheço e que têm disposição para se candidatarem à vereança – mas ninguém quer fazer campanha para o candidato do PSB. Junte-se a eles partidos que não tem nenhum mandato municipal, como Rede e PCB e podemos começar a sonhar como uma Frente de Esquerda, que pode ter de uma a seis candidaturas majoritárias e um caminhão de novas possibilidades no legislativo.
Primeiro, na minha cabeça, é preciso trocar uma ideia e definir o programa que será defendido. Nós, no PSOL, temos como referência o próprio Recife Arretado. Queremos uma cidade transparente, radicalmente democrática, um poder público que garante direitos. Que entende o papel do município na redução da violência. Que sabe que saúde básica tem que ser universal e que valoriza suas escolas e professoras. Que é acessível a todo mundo. Que respeita a diversidade de gênero e sexual. Que garante moradia para seu povo. Que reconhece a centralidade do debate antiracista e feminista. Que fortalece a comunicação pública e sabe que uma política de drogas precisa, por definição, pautar-se pelo antiproibicionismo.
Por aqui, tem um monte de gente que quer o mesmo. Gente nas periferias, nos morros e nas universidades. Gente que, nestes tempos, está se bulindo pra reduzir os efeitos do Covid nas nossas comunidades. Que está percebendo a falta que faz um estado que cuida do seu povo. Uma turma massa que, como eu, está há muito tempo na sociedade civil e que acredita que dá, sim, pra pensar alto e lutar pra construir uma cidade com justiça social e democracia. Gente que nem milita, mas sabe que o governo do PSB de socialista tem muito pouco. Gente, muita gente, que sabe que a gente merece muito mais do que isso
Definida a pauta é que vem a estratégia. E ela tem que ser bem feita. Não podemos mais estar submetidos à casa grande representada pelo PSB muito menos ao bolsonarismo que começa a ganhar asas e defensores aqui no nosso quintal. Com o adiamento das eleições praticamente definido, temos um pouquinho mais de tempo. Mas ainda muito pouco.
Quem sabe 2020 não termina com o anúncio de um novo governo e uma nova Câmara para o Recife?
Já disse e digo de novo. Se eu não tivesse esperança eu nem levantava da cama todo dia.
Um abraço forte,
Ivan Moraes, vereador do Recife
Obs/ Se você acha que a gente não devia estar falando em eleições, sugiro a leitura do texto “O Corona Vírus, o voto e as eleições municipais”, da jornalista Juliana Romão. Bota no gúgol que tu acha.