Recife, 10 de março de 2020
Não faço a menor ideia de quando você vai ler essa cartinha, mas escrevo sob o efeito do ato das organizações feministas que tomaram as ruas do centro da cidade na manhã da segunda-feira, dia 09/03.
Foi, mais uma vez, um ato bonito, colorido, potente. Este ano as mulheres desencanaram de usar o carro de som para falas durante o percurso. Predominavam as batucadas, os jograis, intervenções artísticas. Acredito que, há muito tempo, os atos protagonizados por mulheres têm sido os mais vibrantes que a nossa cidade promove todos os anos.
Antes disso, no domingo (08), estive nas ruas de Nova Descoberta, acompanhando as mulheres do Grupo Mulher Maravilha numa panfletagem. .
Não sou mulher, não faço falas nessas ocasiões. Empresto meu corpo à luta, cumpro tarefa. E gosto.
O nosso mandato apoia manifestações e outras atividades protagonizadas pela sociedade civil como pode. Seja com a presença da nossa turma nas reuniões preparatórias, participando fisicamente dos atos e, quando demandado, contribuindo com lanches, água ou combustível (naquele lance dos cartões que eu já expliquei numa das primeiras cartas).
Pessoalmente, participo de protestos de rua desde nem sei quando. Muuuuuito antes de eu imaginar que me tornaria vereador. Bem antes de até imaginar que me sentiria compelido a me filiar num partido político. Bota aí pelo menos uns vinte, vinte e cinco anos. Nessa conta não vou nem incluir minha grande estreia quando, com uns dez anos de idade, organizei a pirralhada do prédio que morava para nos unirmos contra a iminente derrubada de uma mangueira que nos dava sombra e frutos. A árvore tinha cupim e o síndico foi irredutível. Naquela ocasião, perdemos.
Acredito – e acredito mesmo – que as mudanças reais na sociedade só acontecem com pessoas reunidas em grandes quantidades em lugares públicos e visíveis. Não tem outra. Do jeito que for, da forma que for. Sem o povo na rua é difícil transformar o que quer que seja. Busco levar este meu lema à prática.
Já estive em atos contra a repressão a rádios comunitárias e pela democratização da comunicação durante o governo Lula; contra as mudanças na lei da terceirização no governo Dilma; contra e emenda do teto dos gastos, contra a reforma da previdência, contra a reforma trabalhista, por mais investimentos na educação, pelo direito à cidade, pela luta antimanicomial, pela legalização da maconha, pelos direitos das pessoas que usam drogas e das que vivem com o vírus HIV. Contra o aumento das passagens de ônibus, eu estava nas ruas desde o governo Jarbas. No Grito dos Excluídos eu já perdi as contas de quantas vezes fui. Estive em todos do “Não vai ter Golpe”, os Fora Temer, os Fora Bolsonaro. Participei do controverso 2013, ainda torcendo por uma ‘guinada à esquerda’ no governo petista. Aliado das lutas identitárias, por diversas vezes fui mais um corpo na rua pelos direitos das mulheres, pessoas negras, LGBTQIs, com deficiência.
Digamos que, se as idas e voltas na Conde da Boa Vista rendessem milhas aéreas, era capaz de eu viajar de graça por uns tempos.
Um dia soube que minha filha, ainda com uns sete anos, estava na casa da mãe. A televisão estava ligada e havia imagens de um protesto. Ela apontou para a telinha e soltou um “papai deve estar aí”.
Esse arrodeio todo é pra dizer o quanto eu acho importante a participação das pessoas nos atos, e também pra que a gente possa refletir junto sobre as formas e os impactos das nossas manifestações.
Não é de hoje que o formato tradicional dos protestos gera polêmica, especialmente entre as pessoas que não protestam. Bandeiras, trio elétrico estridente, caixa de som estourada tocando Edson Gomes, caminhada parando o trânsito já fazem parte das nossas “tradições manifestantes”.
Pergunto, porém, a quem reconhece a importância de se ocupar as ruas, sem querer dar ouvidos aos “sommeliers da luta”: o que mais a gente pode fazer para que atos de luta por direitos e contra as opressões possam ter mais impacto na sociedade. Para que possam, de fato, fomentar mudanças?
Entendo, aliás, que nem sempre precisamos de resultados imediatos. Muitas vezes as ações acabam também sendo momentos de encontro de um certo campo, de abraços e troca de energia – como têm sido a sempre emocionante marcha do Povo Xukuru, que acontece sempre no final de maio, em Pesqueira.
Mas, mesmo assim, como potencializar a força do povo que resolve lutar? Como sermos mais pessoas nas ruas? Como ‘ganhar’ parte da sociedade (que anda tão desiludida) com o bom debate sobre nossas pautas?
Essa cartinha não traz respostas, mas pitacos.
Confesso que, especialmente depois que me tornei vereador, tenho questionado a pertinência das falas em carros de som. Por um lado, é através das falas que se “politiza” o ato, que se faz com que pessoas que não estão nas ruas possam entender do que se está tratando. Ao mesmo tempo, as disputas pelo microfone e mesmo a qualidade técnica do áudio não ajudam. A turma que anda comigo acha importante que, quando me cabe, eu fale. É uma oportunidade de mostrar para as pessoas que participam que nosso mandato está representado. Nessas ocasiões eu peço pra colocarem meu nome na fila. Subo na hora de falar e desço imediatamente. Como no Carnaval, lá embaixo tem muito mais gente pra abraçar.
Ouvi falar de atos em outros lugares que param uma avenida grande com vários trios elétricos, que não andam. Ao redor de cada um, as pessoas se juntam para ouvir os discursos e as músicas que cada grupo/organização prepara. Também conheci um pouco a experiência de manifestações não-violentas que causam grande impacto com uma quantidade relativamente pequena de pessoas dispostas inclusive a serem presas por uma boa causa. Aqui no Recife, por várias vezes faz-se protesto aliado com apresentação cultural.
Durante o #ocupeestelita, era comum artistas emprestarem seus nomes e sua arte para chamar gente para as atividades. Eu gosto, mas entendo que, dentro de alguns movimentos, essa união entre diversão e luta não soa muito bem – porque tem gente que vai ‘só pela farra’, por exemplo.
Mais divulgação traria mais gente? Por onde? Com a mídia comercial nas mãos dos mesmos de sempre e as redes sociais limitadas às barreiras das bolhas algorítmicas, como fazer?
O ‘vira-voto’ que rolou em várias cidades talvez tenha indicado um caminho.
Olho no olho é preciso.
Conversa honesta, atos menores e descentralizados seriam um bom começo?
Mas até pra isso tem que ter gente disposta e organização.
Nossos protestos teriam mais gente se tivessem mais visibilidade? Ou teriam mais visibilidade se tivessem mais gente? Uma coisa depende da outra? Pior é que nem sempre.
Enquanto escrevo, falo com mais gente e vejo notícias nas redes sociais.
Depois de dar bananas para jornalistas, de esconder o Queiroz, de blindar os filhos criminosos, de levar a economia brasileira para as cucuias, de homenagear torturadores e milicianos, de ferir de morte o ensino superior, de retirar muita grana da saúde básica, o presidente do Brasil tá por aí dizendo que houve fraude nas eleições de 2018.
Como se não houvesse outros, é mais um motivo para que a população bote ele para correr. A suposta fraude em 2018 (assim como os indícios de caixa 2) já seriam suficientes para a cassação da chapa presidencial.
Há quem diga que, para isso, não basta gente nas ruas. Mas sem grandes manifestações populares, não imagino que nada aconteça até as próximas eleições.
Termino com perguntas.
Na conjuntura em que vivemos, o que te tiraria de casa para lutar por seus direitos? O que te faria panfletar por uma causa? O que pensa sua parentada e suas amizades? O que acenderia no seu juízo o desejo de mudar as coisas – e a certeza de que pode dar certo? Que canais você utilizaria para responder a essas perguntas?
Um beijo grande e até a próxima semana (ou o próximo protesto)
O nosso mandato apoia manifestações e outras atividades protagonizadas pela sociedade civil como pode. Seja com a presença da nossa turma nas reuniões preparatórias, participando fisicamente dos atos e, quando demandado, contribuindo com lanches, água ou combustível (naquele lance dos cartões que eu já expliquei numa das primeiras cartas).
Pessoalmente, participo de protestos de rua desde nem sei quando. Muuuuuito antes de eu imaginar que me tornaria vereador. Bem antes de até imaginar que me sentiria compelido a me filiar num partido político. Bota aí pelo menos uns vinte, vinte e cinco anos. Nessa conta não vou nem incluir minha grande estreia quando, com uns dez anos de idade, organizei a pirralhada do prédio que morava para nos unirmos contra a iminente derrubada de uma mangueira que nos dava sombra e frutos. A árvore tinha cupim e o síndico foi irredutível. Naquela ocasião, perdemos.
Acredito – e acredito mesmo – que as mudanças reais na sociedade só acontecem com pessoas reunidas em grandes quantidades em lugares públicos e visíveis. Não tem outra. Do jeito que for, da forma que for. Sem o povo na rua é difícil transformar o que quer que seja. Busco levar este meu lema à prática.